sexta-feira, 19 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Crise fiscal exige plano de corte de gastos

O Globo

Alerta do FMI é mais uma prova do erro cometido nas políticas de salário mínimo e vínculos orçamentários

O último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre políticas fiscais em todo o mundo aumentou a estimativa de déficit nas contas públicas brasileiras em 2024 de 0,2% para 0,6% do PIB (mais longe do objetivo oficial: zero). Elaborado antes de o governo afrouxar as metas dos próximos anos, o estudo revela a necessidade de mais esforço para evitar o descontrole na dívida pública. Em vez disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva trocou as metas de superávit para 2025 (de 0,5% para zero) e 2026 (de 1% para 0,25%). A impressão é que abandonou qualquer plano de ajuste fiscal.

Um governo comprometido com a queda do endividamento público, uma das raízes do crescimento baixo, concentraria esforços em cortar ou, no mínimo, diminuir o ritmo de alta dos gastos. Não é a tônica da atual gestão. Os primeiros sinais da falta de compromisso com a responsabilidade fiscal foram dados antes mesmo da posse. A PEC da Transição, aprovada em dezembro de 2022, aumentou as despesas, a pretexto de cumprir promessas de campanha, e previu substituir o teto de gastos por uma nova regra.

Fernando Abrucio* - Atacar crime organizado é estratégico

Valor Econômico

A profissionalização e a adoção de modelos de gestão consistentes, como em boa medida ocorreu no SUS, são fundamentais para que a cooperação federativa na segurança pública não seja mero discurso

A relação do crime organizado com o Estado brasileiro se tornou um tema estratégico para o presente e o futuro do país. A prisão dos mandantes da morte de Marielle, a fuga de dois membros do Comando Vermelho de presídio federal de segurança máxima e a investigação sobre os tentáculos do PCC na administração pública em São Paulo revelam que as facções criminosas só são fortes porque seu negócio, o crime, está cada vez mais interligado com ação ou inação do aparelho estatal. Essa deveria ser a agenda prioritária da segurança pública do país, em vez de projetos aporofóbicos e sem embasamento em evidências, como a “Lei da Saidinha” e a PEC sobre as drogas.

É estarrecedor como os políticos e parcela da sociedade compraram um modelo demagógico para combater a criminalidade e a sensação crescente de insegurança. Há uma miopia enorme que gera decisões que, ao fim e ao cabo, somente vão fortalecer o crime organizado. Fim da “saidinha” e criminalização da posse e porte de drogas em qualquer quantidade terão como principal resultado o crescimento da população prisional, especialmente de pessoas pobres e negras. Isso só fortalece ainda mais as facções criminosas, que precisam de um exército de gente sem direitos nem esperança, produzindo assim uma máquina do crime cada vez mais poderosa.

José de Souza Martins* - A conspiração

Valor Econômico

A ação antidemocrática nos indica um consistente ativismo para desmobilizar a vigilância crítica dos que se recusam a ser tratados como tolos e politicamente imaturos

Não passa um dia sem que a agitação extremista antidemocrática deixe de comparecer à pauta da nossa paciência, como entrelinha invasora das informações e debates sobre os acontecimentos significativos da vida cotidiana das pessoas comuns. Os resíduos do golpe de Estado de 1964 ainda conspiram contra a democracia e os direitos sociais. Indicam-no evidências, como as de 8 de janeiro de 2023, de tratamento do povo brasileiro como um povo carneiril.

De tanto repetir-se, a agitação subversiva contra as instituições se naturaliza pela teimosia de sua reiteração. A sociedade brasileira vai ficando sem alternativas para situar o que de fato é relevante e o que é irrelevante na vida do país. Sobretudo o que é intencionalmente produzido para deturpar e minimizar o nosso penoso retorno à ordem.

Os mais desprovidos de discernimento e mais vulneráveis à manipulação ideológica e autoritária vão sendo induzidos a aceitar a banalização de nossa identidade de povo que a duras penas se formou numa história social de adversidades e desafios.

A ação antidemocrática basicamente nos indica um consistente ativismo para desmobilizar a vigilância crítica dos partidários da democracia e dos que se recusam a ser tratados como tolos e politicamente imaturos.

César Felício - Polarização nacional tem limites na eleição de 24

Valor Econômico

Relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias quer diminuir discricionaridade do Executivo

A polarização nacional nas eleições municipais deste ano tem limites claros, que podem ser traduzidos em alguns casos concretos. Talvez o mais emblemático seja o de São Luís. Na capital do Maranhão o deputado federal Duarte Júnior, do PSB, terá o apoio do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, até segunda ordem, deve ter o respaldo do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro. A ampla aliança tem o governador Carlos Brandão (PSB) como padrinho e o ex-governador e ex-senador Flavio Dino, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, como inspirador.

Luiz Carlos Azedo - Lira teme efeito Orloff ao deixar comando da Câmara

Correio Braziliense

O presidente da Câmara é uma espécie de engenheiro do caos no comando da Casa, em confronto com o presidente Lula, mas seu futuro é incerto

O retrato na parede é uma honraria concedida aos ex-presidentes da Câmara, mas a presença na galeria de honra é apenas o que restou do notável poder que o comando da Casa confere à cadeira de quem a ocupa. Foi dela que Ulysses Guimarães (PMDB), o grande líder da oposição ao regime militar, conduziu com pulso firme a Constituinte de 1987, que conferiu ao atual Congresso poderes parlamentaristas que rivalizam com a Presidência da República, desde o governo de transição democrática de José Sarney. Ulysses comandou a Casa por dois mandatos, de 1985 a 1989.

Entretanto, o poder de um presidente da Câmara é muito mais efêmero do que o do presidente da República, que governa por quatro anos e pode ser reeleito. Que o digam, em retrospectiva, Rodrigo Maia (2016-2017), Waldir Maranhão (2016), Eduardo Cunha (2015-2016), Henrique Eduardo Alves (2013-2015), Marco Maia (2011-2013), Michel Temer(2009-2010, 1999-2001 e 1997-1999), Arlindo Chinaglia (2007-2009), Aldo Rebelo (2005-2007), Severino Cavalcanti (2005), João Paulo Cunha (2003-2005), Efraim de Morais (2002-2003), Aécio Neves (2001-2002), Luiz Eduardo Magalhães (1995-1997), Inocêncio de Oliveira (1993-1995), Ibsen Pinheiro (1991-1993) e Paes de Andrade (1989-1991).

Bruno Boghossiam - O novo repertório da turnê

Folha de S. Paulo

Ex-presidente pega carona em Moraes e Musk para confundir debate público e condição pessoal

Jair Bolsonaro atualizou o repertório da turnê em que encarna um ex-presidente com problemas na Justiça. De carona na campanha de contestação aos bloqueios determinados por Alexandre de Moraes nas redes, ele alegou que o país está "perto de uma ditadura" e fez "um apelo" para que apoiadores participem de uma manifestação no Rio.

Em fevereiro, quando discursou na avenida Paulista, Bolsonaro falava em liberdade, mas estava preocupado em denunciar o que tenta vender como uma perseguição pessoal. Mencionou abusos para reclamar das investigações sobre articulações golpistas e levantou a bola de uma anistia em seu benefício.

Hélio Schwartsman - Legislativo versus Judiciário

Valor Econômico

Poderes se enfrentam acreditando ter as melhores respostas para os problemas; assim não vai dar certo

Os Poderes estão em guerra.

Sou um consequencialista não entusiasmado. A menos que você disponha de muletas metafísicas como as formas platônicas ou uma moral ditada por Deus, só do que dispomos para julgar o valor de ações são seus resultados. Daí não decorre que o consequencialismo não apresente problemas --alguns bem graves. Mas, gostemos ou não, é o que de mais próximo temos de uma teoria ética completa e universalizável. Funciona um pouco como a democracia. Não é grande coisa, mas as alternativas são piores.

Eliane Cantanhêde - Último bastião

O Estado de S. Paulo

A economia, grande trunfo do governo em 2023, parou e começa a recuar

Em 2023, nada se viu de novo ou impactante nas áreas sociais, na articulação do Congresso ou nas posições de Lula e do PT na política externa, mas uma coisa é certa: a economia foi um sucesso, com PIB e indicadores superando previsões e um troféu: a reforma tributária. Em 2024, continuou tudo na mesma, com a diferença de que a economia parou e começa agora a recuar.

Estamos em meados de abril e nem mesmo as propostas de regulamentação da reforma tributária foram enviadas ao Congresso e o ministro Fernando Haddad jogou a toalha na promessa de superávit fiscal em 2025 e 2026, logo, no próprio arcabouço fiscal. Se superávit houver, será no próximo governo.

Vera Magalhães - SOS Haddad

O Globo

A revisão da meta menos de um ano depois da aprovação do arcabouço fiscal só contribuiu para o temor de descontrole das contas públicas

Fernando Haddad volta dos Estados Unidos com a situação em seu latifúndio mais tensa e bagunçada do que quando embarcou. O mercado e instituições como o Fundo Monetário Internacional mostram o aumento do ceticismo quanto à trajetória da política fiscal proposta pelo ministro no ano passado. Ao mesmo tempo, no Congresso crescem os ruídos que mantêm a pauta congelada praticamente desde o fim do ano passado.

O ministro terá de atuar nas duas pontas para evitar que passe (volte?) a ser alvo de desconfiança e que seja minada a carta branca recebida de Lula para indicar o caminho da política econômica. Ele e todos sabem que vários setores, a começar do próprio PT, só esperam por sinais de sangue na água para alvejá-lo.

A revisão da meta fiscal para os próximos anos, menos de um ano depois da aprovação do arcabouço fiscal, só contribuiu para o temor de descontrole das contas públicas. Haddad lutou bastante para evitar que fosse revista a meta de 2024, mas não teve a mesma disposição ou as mesmas armas para bancar aquilo que ele mesmo propôs quando da aprovação do marco que substituiu o teto de gastos.

Vinicius Torres Freire - A ira de Lira e a conversa fiada

Folha de S. Paulo

Depois de algumas horas de indignação sobre o fiasco fiscal, mudamos de assunto

Depois de um breve rebuliço midiático, o fiasco das metas fiscais de Lula 3 começa a desaparecer do noticiário principal. Voltamos a nossa programação normal.

A ira de Lira ocupou manchetes. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), viria a se vingar porque um primo perdeu um cargo, porque Lira não recebeu a parte dele do butim de emendas, porque estaria fulo com "o Planalto", que fez troça pública de uma derrota "lírica" na Câmara. A vingança seria maligna, com CPIs, pautas-bomba e outras retaliações.

Maria Cristina Fernandes - PEC do quinquênio agiganta ameaça fiscal

Valor Econômico

Bombas fiscais conjugadas com instabilidade do cenário externo precipitam retorno de Haddad ao Brasil

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou sua volta ao Brasil em meio ao impacto da redução da meta fiscal do próximo ano e das pautas-bomba no Congresso que ameaçam ainda mais as contas do governo numa conjuntura externa dificultada pela trajetória dos juros nos Estados Unidos e a instabilidade provocada pelo conflito no Oriente Médio.

A última das bombas fiscais foi a aprovação na quarta-feira, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, da proposta de emenda constitucional que garante a juízes, procuradores, defensores públicos, delegados, auditores da Receita e advogados públicos e um sem número de categorias do serviço público um aumento de 5% a cada cinco anos de trabalho, sem qualquer avaliação de desempenho ou mérito.

André Roncaglia - Nova temporada de pânico fiscalista

Folha de S. Paulo

Não só de resultado primário depende a estabilidade da dívida pública

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2025 (PLDO 2025) reduziu a meta fiscal de um superávit de 0,5% do PIB para um déficit zero. A Faria Lima rapidamente ajustou suas estimativas para um déficit de 0,5% do PIB e abriu a nova temporada de pânico fiscalista.

Alegou-se que o marco fiscal ficou fragilizado com a mudança de meta, que, pasme o leitor, está prevista nas próprias regras fiscais.

Regime Fiscal Sustentável já inclui punições para o descumprimento da meta fiscal, como reduzir o ritmo de crescimento da despesa no ano subsequente a 50% das receitas, bem como o contingenciamento de gastos ao longo do ano.

Levando em conta as demandas da sociedade e das forças políticas no Congresso, o governo pode ajustar a meta fiscal para não sacrificar gastos essenciais diante da frustração de receitas. Ao calibrar a meta de resultado primário, o governo define o prazo de estabilização da dívida pública, mas paga um preço por isso: o mercado financeiro precifica essa escolha elevando o prêmio de risco sobre a taxa básica de juros cobrada nos títulos de dívida pública.

Poesia | Os inocentes do Leblon, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Teresa Cristina - Corra e olhe o céu (Cartola)

 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PEC das Drogas trata questão séria com demagogia

O Globo

Parlamento deve ao país resposta condizente com a necessidade de distinguir traficantes de usuários

A Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC das Drogas, aprovada na terça-feira no Senado, é forte em demagogia e, na hipótese mais otimista, inócua como solução para os problemas causados pelos entorpecentes. O texto que segue para a Câmara não faz a distinção necessária entre usuário e traficante e atrapalha, em vez de ajudar, a discussão a respeito em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A questão exige mais conhecimento técnico e responsabilidade do Congresso.

Se aprovada pelos deputados como está, a PEC aumentará o encarceramento de usuários pegos pela polícia com quantidades pequenas de droga. Com isso, fornecerá mais mão de obra às facções criminosas que atuam nos presídios e terá o efeito contrário ao desejado por quem votou a favor no Senado. Por isso é urgente fazer correções. A situação preocupante da segurança pública não permite leviandade dos legisladores em tema tão sensível.

Merval Pereira - Vingança é o nome do jogo

O Globo

Vivemos um momento delicado, em que os três Poderes brigam entre si e, às vezes, também internamente, alimentando incertezas

Vingança é a palavra de ordem vigorando. Vivemos um momento delicado, em que os três Poderes brigam entre si e, às vezes, também internamente, alimentando incertezas. O Supremo Tribunal Federal (STF) está em choque com o Legislativo, e os próprios ministros se batem, ainda em decorrência da Operação Lava-Jato.

Há claramente uma ação articulada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para tentar punir juízes e desembargadores que trabalharam na Lava-Jato, com claro cheiro de vingança no ar. No Congresso, os parlamentares se organizam, na Câmara e no Senado, para se vingar do STF, que prendeu o deputado federal Chiquinho Brazão.

Mas não apenas por isso. Também contra o que consideram a “fúria legiferante” da mais alta Corte do país. O Executivo, por sua vez, briga com o Legislativo, onde não tem maioria, e se escuda no Supremo, que já esteve mais forte do que hoje e também precisa de apoio político. As CPIs são a arma parlamentar com que o Congresso ameaça o governo.

Malu Gaspar - Os drones de Lira contra Lula

O Globo

A notícia dos ataques que Arthur Lira (PP-AL) fez a Alexandre Padilha (Relações Institucionais) começou a circular nos celulares dos deputados na quinta-feira passada, no momento em que líderes do governo no Congresso se reuniam para discutir a votação das emendas orçamentárias prevista para esta semana.

Lira chamou Padilha de “desafeto pessoal” e incompetente, depois de vários veículos de imprensa publicarem que ele atuou nos bastidores para que os deputados votassem pela soltura de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco (PSOL).

A reação dos lulistas foi de ironia. “O café dele já esfriou mesmo, hein?”, disse um deles, já emendando: “Quem fez fama atropelando o governo vai se assustar ao ser atropelado”. O presidente da Câmara dos Deputados provavelmente não soube da piada governista, mas certamente percebeu que muita gente em Brasília interpretou um ataque tão frontal como sinal de desespero e fraqueza política.

Míriam Leitão - A volatilidade e o ruído que fica

O Globo

Houve uma piora na percepção da economia após a mudança da meta, como se o governo tivesse “jogada a toalha“ na área fiscal

Ontem foi o reverso de terça-feira. O real foi a moeda que mais subiu, e os juros futuros de longo prazo caíram tudo o que haviam subido. Mas isso não muda os sinais de que houve uma piora da percepção da economia. Os novos números de resultado primário anunciados pelo ministro Fernando Haddad eram até melhores do que os que o mercado projetava. O problema é ter ficado a impressão de que o governo e o Congresso vão desistir das metas fiscais. Como houve exagero na terça, o dia amanheceu ontem com o mercado sabendo que haveria uma reversão. Mas continua havendo uma onda de fortalecimento mundial do dólar, o que pode bater na inflação e nos indicadores internos. Nada é alarmante, não é crise, mas é um cenário que exige mais cuidados. É o que dizem os economistas que consultei dentro e fora do governo.

Luiz Carlos Azedo - Lula deve pôr as barbas de molho com o cenário mundial

Correio Braziliense

Da mesma forma como o isolamento internacional se tornou um ponto fraco de Bolsonaro, a deriva diplomática de Lula abre espaços para a oposição

Num Palácio em que a cozinha governa, porque a área meio controla as atividades fins, o florentino Nicolau Maquiavel seria uma espécie de espírito de porco, a desafiar o coro dos contentes que cercam o príncipe, num momento em que o seu governo precisasse corrigir seu curso.

“De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva servir” (Quantum fortuna in rebus humanis possit, et quomodo illis it occurrem dum), o 15º capítulo d’O Príncipe, foi escrito para separar a religião da política, numa época em que o Estado recebia forte influência da Igreja, mas trata é desse assunto.

À época, dizia-se que as coisas eram governadas pela fortuna e por Deus e que os homens não poderiam modificar o seu destino. É mais ou menos o que acontece com o governo Lula, cujo futuro parece predeterminado por velhas convicções ideológicas, o que é sempre uma forma distorcida de apreensão da realidade, tanto quanto a religião.

Maria Hermínia Tavares - Reservatório do populismo

Folha de S. Paulo

Defesa da democracia já não basta para conter a força desse espectro antigo e profundo

Jair Bolsonaro perdeu as eleições —e seu golpe de Estado deu chabu. Ele não poderá disputar cargos públicos até 2030, além de ter contas pendentes com a Justiça que poderão deixá-lo fora do jogo, sabe-se lá por quanto tempo.

O que o mantém vivo na política, além de parcela da opinião pública, são a sua conspícua família e o espaço que lhe concedem, não sem ambiguidades, aqueles que à sua sombra se elegeram governadores, senadores e deputados.

Mas é possível que seu prestígio e sua liderança no campo da direita declinem. Nesse caso, terá destino semelhante ao de líderes populistas derrotados nas urnas mundo afora, em proporção maior dos que permanecem no poder e corroem a democracia por dentro.

Bruno Boghossian – Uma forcinha ao arbítrio

Folha de S. Paulo

Parlamentares terceirizam interpretação da Constituição e patrocinam o arbítrio nas esquinas

Emoldurar a PEC das Drogas como uma vingança contra o Supremo é um favor e tanto para o Senado. A proposta que enquadra como crime a posse e o porte de entorpecentes em qualquer quantidade é uma daquelas inovações que desfilam com o surrado disfarce da defesa institucional, apenas para despejar seus resíduos no mundo real.

A ideia nasceu pelo motivo errado. O Senado armou a reação quando o STF caminhava para determinar que o porte de maconha não deve ser considerado crime. O tribunal ensaiou um passo largo demais com a descriminalização. Acertou onde pisava, porém, ao restringir a discussão à maconha e propor uma quantidade de droga para diferenciar usuário de traficante.

Fernanda Torres - Ziraldo e a alegria da resistência

Folha de S. Paulo

Foi um dos que insistiram num Brasil humano, criativo e justo

No início da década de 1970, no arrocho da ditadura militar, o bairro do Jardim Botânico no Rio de Janeiro era o refúgio de artistas e intelectuais cariocas. No afã de que seus filhos usufruíssem de uma liberdade inexistente para além do portão de suas casas, essa geração de pais aderiu em peso ao ensino construtivista.

Eu e meu irmão, Claudio, fomos matriculados no Centro Educacional da Lagoa, uma escola pequeníssima, que prometia milagres com Piaget. Fabrízia Pinto era da mesma sala do meu irmão. No primeiro dia de aula, a molecada se apresentou com seus caderninhos encapados e os da guria causaram furor. Decorados com caricaturas dela ao lado de letras vivas, ou fugindo dos números 2 e 3, eles exibiam o traço inconfundível de Ziraldo, pai de Fabrízia e autor de uma febre chamada Flicts.

A casa Ziraldo e Wilma sempre esteve aberta, palco das festinhas de adolescência, de viradas, ensaios e contestações. O casal era próximo dos meus pais e os filhos regulavam de idade. Daniela, primogênita dos Pinto, era diferente. Metida até a orelha com o movimento estudantil, os pais acharam por bem mandá-la para Londres, onde se formou em letras e se descobriu cenógrafa.

Ruy Castro - Eles são os homens de bem

Folha de S. Paulo

Seguidores sinceros de Bolsonaro se confundem com os Brazão, Queiroz, Lessa e outros elementos

Quem conhece o teatro, romances e contos de Nelson Rodrigues sabe que seus personagens são uma galeria de adúlteros, incestuosos, assediadores, assassinos, suicidas e outros graves transgressores das normas de convívio. Por causa disso, Nelson foi censurado, teve peças e livros proibidos, sofreu ameaças físicas e foi chamado de tarado e pornográfico. Quem são esses personagens? Marginais, presidiários, prostitutas, pobres, destituídos, aqueles de quem a sociedade espera esses "desvios"?

Maria Cristina Fernandes - A receita da liturgia de Lewandowski para a crise

Valor Econômico

Ministro da Justiça doma bancada de bala, cavalo de batalha do bolsonarismo e massa de manobra de Lira

A harmonia entre os Poderes está na Constituição. Na ausência dela, o país vive sob inconstitucionalidade. Foi assim, citando o ex-presidente da República e daquela Casa, Michel Temer, que o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, abriu a sessão na Comissão de Segurança Pública da Câmara.

A frase não foi pinçada a esmo. Na véspera, o ministro havia acompanhado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em jantar com quatro ministros do Supremo, além do titular da AGU, Jorge Messias. O encontro foi pautado pela preocupação com a relação entre os Poderes, notadamente com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Presidente da Câmara recua após críticas de aliados

Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto / Valor Econômico

Nos bastidores, mudança de postura de Lira foi comemorada

Após ensaiar uma escalada da crise com o Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu recuar e segurou, pelo menos temporariamente, o andamento de medidas que tinham o potencial de desagradar ao governo. Críticas de aliados aos seus recentes movimentos, recomendações para que mudasse o tom e uma visita do ministro da Casa Civil, Rui Costa, teriam contribuído para o reposicionamento.

Nessa quarta-feira (17), o plenário aprovou apenas requerimentos de urgência a projetos sem polêmica e encerrou rapidamente as votações. Parlamentares não se debruçaram sobre requerimentos que enfrentavam resistência do governo. O alagoano nem sequer participou da sessão.

William Waack - A fórmula da vitória

O Estado de S. Paulo

A política econômica do governo Lula 3 está tornando mais difícil uma próxima vitória eleitoral

Lula assumiu o terceiro mandato já pensando em 2026, o que é normal. A questão é saber se vai funcionar a fórmula que está tentando aplicar para ganhar as próximas eleições.

Ela é muito simples e se baseia numa leitura do passado: a de que o gasto público traz voto, além de impulsionar o crescimento do PIB. Há uma série imensa de fatores que influenciam eleições, mas a ortodoxia petista (não só, porém) insiste em que benefícios sociais, acesso ao crédito e consumo das famílias é que consagram o presidente nas urnas.

Eugênio Bucci - Um vilão de James Bond estreia na política

O Estado de S. Paulo

Elon Musk parece um personagem fugido daqueles filmes de antigamente, mas extrapola. Suas ações reais sobrepujam a imaginação de Ian Fleming

O magnetismo dos filmes de James Bond desapareceu na fuligem das estrelas. As pernadas do 007 descansam no passado. O tipo criado por Ian Fleming, que pedia seu dry martini a bordo de um smoking da cor da noite ou de um summer de alta alvura, perdeu o elã.

Não que não tenha sido bom. Era divertido o modo como ele se apresentava para a dama fatal: “Bond, James Bond”. Em dois minutos, os dois se beijariam e em seguida se perderiam entre um salto de paraquedas e um tiro de pistola com silenciador. Só depois de incontáveis piruetas por terra, mar e ar é que o casal teria direito a um happy-end. Caliente. Estávamos no período da guerra fria e o espião que tinha licença para matar nos presenteava com amores escaldantes. O espectador médio daquela época torcia pela manutenção do establishment e vibrava quando James e a namorada se atracavam entre lençóis depois de salvar a humanidade, o planeta, o capitalismo e a dinastia Windsor da destruição completa.

Roberto Macedo – Economia: um alento fraco e só no curto prazo

O Estado de S. Paulo

Olhando as quatro décadas passadas e à frente o médio prazo, o desalento é grande com o crescimento econômico do Brasil

O noticiário econômico é focado no curto prazo porque vem muito de analistas e instituições financeiras atuantes neste horizonte em que procuram ganhar dinheiro. Não busca lições do passado nem discute as previsões mais longas. Usualmente, estas últimas repetem o presente quase sem alterações.

O relatório Focus, do Banco Central, que aponta previsões de analistas, vem mostrando taxas do PIB para o ano corrente que se alteraram. As desta semana, por exemplo, são de um crescimento de 1,95%, taxa que veio subindo devagar, mas persistentemente, há nove semanas. Mas a previsão para 2025, 2026 e 2027 é de 2%, há 18, 36 e 38 semanas, respectivamente.

Fernando de la Cuadra – Las tareas pendientes con la educación comprometen el futuro de Brasil

La crisis de la educación en Brasil, no es una crisis, es un proyecto.(Darcy Ribeiro)

La educación en Brasil está pasando por una etapa de estagnación, sin que las nuevas autoridades asuman responsablemente dar un giro con respecto a la situación heredada de los dos gobiernos anteriores, de Michel Temer y Jair Bolsonaro. Como nos advierte Darcy Ribeiro, parece que históricamente la función de la educación en Brasil ha sido la de profundizar las diferencias entre una elite culta, letrada y hasta erudita y una gran masa de analfabetos destinados a cumplir el papel de fuerza de trabajo barata y dócil. Los avances realizados en el campo pedagógico –como los realizados por Paulo Freire a comienzos de los años sesenta– siempre tuvieron que enfrentarse con la férrea oposición de quienes rechazaban los avances civilizatorios que la educación podría representar para el país, alfabetizando y dando carta de ciudadanía a los grupos más pobres y excluidos de la población.

Poesia | O amor bate na aorta, Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Xande Canta Caetano - Gente

 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mudança na meta fiscal dificulta rota do crescimento

O Globo

Governo põe em xeque credibilidade das regras que ele próprio criou e encarece investimento no Brasil

Logo depois de assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia ficar ofendido quando questionado sobre seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Citava os números das administrações anteriores como garantia. No ano passado, o governo aprovou no Congresso um novo arcabouço fiscal, com o compromisso de zerar o déficit público neste ano, entregar um superávit de 0,5% no ano que vem e de 1% em 2026. Nesta semana, menos de um ano depois, as metas foram afrouxadas. A de 2025 agora é zero. Para 2026, 0,25%. A deste ano segue sendo zero, mas ninguém sabe se será mesmo mantida ou cumprida. Em resumo, o governo empurrou o problema de estabilizar a dívida pública para a próxima administração.

Vera Magalhães - Moderação está fora de moda

O Globo

Da geopolítica à relação entre os poderes, passando pelas disputas eleitorais, autocontenção e adoção de saídas complexas perdem para radicalização

Por tudo que se vê no cenário global e doméstico a moderação é um atributo fora de moda. Daí por que clamar por ela, na política eleitoral, na interação entre os Poderes ou nas relações internacionais parece ser pregar no deserto.

A lógica inerente à polarização, que interessa fortemente aos que nela se enfrentam, é a de expelir qualquer tentativa de se evitar soluções cabais para um lado ou outro, alinhamentos peremptórios e postulados ideológicos definitivos.

O que acaba acontecendo é que mesmo aqueles que, a princípio, se propõem a moderar os extremos, são tragados pela tentação de abolir a autocontenção, como única forma de fazer frente às investidas polarizadoras.

Bernardo Mello Franco – Guerra perdida

O Globo

Pacheco apresentou proposta para confrontar STF e ganhar pontos com extrema direita

O Senado descobriu uma solução mágica para acabar com o problema das drogas. Vai mudar a Constituição para deixar claro que elas são proibidas.

Proposta aprovada ontem considera crime a posse e o porte de qualquer quantidade de entorpecente. Os bolsonaristas festejaram a votação como um feito patriótico.

“O Brasil é uma nação que preza pela moralidade e pela valorização da família”, celebrou Wilder Morais. “O país pode ficar tranquilo, porque nós não vamos permitir a liberação de drogas”, congratulou-se Plínio Valério.

Elio Gaspari - O governo está tonto

O Globo

Desde dezembro do ano passado, quando a boca do jacaré se abriu com a pesquisa do Ipec, mostrando que 50% dos entrevistados não confiavam em Lula, ante 48% que confiavam, o governo tem ido de sobressalto em sobressalto. O Lula 3.0 está tonto porque não consegue ficar do tamanho que gosta de se imaginar.

Essa perplexidade tem duas origens. Uma, essencial, é a descoberta de que não entregará os rios de mel da campanha eleitoral. Ganha um fim de semana em Essequibo quem acreditava nas metas de contas públicas do ministro Fernando Haddad. Lula recebeu a economia em mau estado e reequilibrou-a. Com a propensão ilusionista de todos os governos, recuou das metas e, ao mesmo tempo, elevou o salário mínimo. São diversas as promessas de Haddad, e algumas delas podem virar realidade, desde que se trabalhe. Se gogó resolvesse dificuldades da economia, o Brasil nunca teria conhecido déficits.

Zeina Latif - Escolhas lá e cá

O Globo

Não existe almoço grátis. Essa frase popularizada pelo economista Milton Friedman se encaixa bem às restrições enfrentadas nas decisões econômicas. Ocorre que, especialmente na política, o que mais se busca é o almoço grátis, já que a fatura de erros de política econômica muitas vezes tarda ou não fica suficientemente clara para eleitores.

Um exemplo clássico são os limites para desequilíbrios fiscais sistemáticos e o persistente aumento da dívida pública (como proporção do PIB). Cedo ou tarde surgem os efeitos colaterais, na forma de inflação e juros mais elevados, e menor crescimento. Como resultado, a trajetória da dívida acelera ainda mais, podendo levar a cenários extremos (como calotes e o descontrole inflacionário).

Bruno Boghossian - O pedágio ficou mais caro

Folha de S. Paulo

Programa baseado em receitas e cobiça no governo e no Congresso ajudam a explicar mudança de meta

Na semana passada, o governo e a Câmara negociaram uma gambiarra para liberar um espaço de R$ 15,7 bilhões no Orçamento. Parte do dinheiro saiu da votação fatiada. Uma parcela engordaria as emendas parlamentares, outra seria usada para desbloquear a verba de ministérios, e um naco era reivindicado para aumentar salários de servidores.

As metas de Fernando Haddad para ajustar as contas do governo sobreviveram enquanto o ministro conseguiu sustentar um arranjo caro. Era preciso equilibrar o veto de Lula a um corte amplo de despesas, controlar o apetite de ministros por mais gastos e pagar pedágios constantes à base que ajudava a manter de pé o plano no Congresso.

Vinicius Torres - Dólar a R$ 5,27, risco de acidentes

Folha de S. Paulo

Perspectiva para o PIB no curto prazo não muda, mas dívida e sururu no mercado preocupam

O "que está acontecendo nos Estados Unidos... explica dois terços do que está acontecendo no Brasil", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddadsobre o dólar a R$ 5,27.

Uma estatística meio simples e os motivos visíveis para um dólar mais caro indicam que a hipótese de Haddad é razoável. O fato de o governo ter afrouxado a meta de contenção da dívida pública talvez seja um fator menor do dólar a R$ 5,27.

É possível argumentar também que o fato de Lula 3 ter reduzido suas metas de controle do gasto significa apenas um reconhecimento oficial, ainda otimista, de que a dívida pública vai aumentar mais do que o governo previa, o que estava nas contas de quase todo mundo.

Nada disso refresca a situação, porém.

Maria Cristina Fernandes - Haddad irrita Congresso ao incluí-lo no rol de pressões fiscais

Valor Econômico

Limite do azedume entre Fazenda e Congresso é deterioração dos indicadores econômicos

Ministro que atravessou o ano de 2023 com a maior vitória no Congresso com a aprovação histórica da reforma tributária, Fernando Haddad despertou reações negativas na Casa ao colocar a atuação dos parlamentares no rol das razões pelas quais o governo foi obrigado a recuar de um superávit de 0,5% para zero na meta fiscal de 2025.

Depois que o dólar bateu a maior alta desde março de 2023, chegando a R$ 5,28, o ministro voltou a se pronunciar sobre a redução da meta em Washington. Disse que o país não crescerá gastando mais do que arrecada. E, apesar de atribuir dois terços da turbulência local ao cenário externo, mencionou os obstáculos que vem enfrentando no Congresso. Disse que nas negociações para equilibrar receita e despesa, a Fazenda acaba “desfalcada de algum pedaço que era importante para o fechamento das contas”. E que nem tudo que a Fazenda entende que é “justo, correto e vai na direção correta vai ser recebido pelo Congresso com a mesma sensibilidade”.