quinta-feira, 6 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Vitória nos EUA expõe dilemas dos democratas

Por O Globo

Seria uma lástima se, para derrotar o populismo de direita, os americanos abraçassem o populismo de esquerda

A vitória democrata nas eleições de terça-feira nos Estados Unidos foi inquestionável. Duas governadoras foram eleitas — a ex-piloto de helicóptero da Marinha Mikie Sherrill, em Nova Jersey, e a ex-agente da CIA Abigail Spanberger, que será a primeira mulher a governar a Virgínia. A maior cidade do país, Nova York, elegeu o primeiro prefeito muçulmano e o mais jovem em sua História, Zohran Mamdani, representante da ala radical dos autointitulados “socialistas democráticos”. E, na Califórnia, o governador Gavin Newsom conseguiu aprovar seu plano de redivisão distrital cujo objetivo é render mais cinco cadeiras ao Partido Democrata na Câmara.

A motivação é outra, por Merval Pereira

O Globo

Direita quer conseguir a adesão dos Estados Unidos para o combate ao que chamam de “narcoterrorismo”.

A insistência da direita em classificar de “terrorismo” as ações do crime organizado no país tem seu lado eleitoreiro, mas inclui também uma visão estratégica que parece inteligente até que seja revelada estúpida. Trata-se de conseguir a adesão dos Estados Unidos para o combate ao que chamam de “narcoterrorismo”. É o mesmo que pretendiam com os militares, em nível interno, com a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) depois da baderna golpista de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ou com a atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, que culminou com o tarifaço contra a economia brasileira, em busca da proteção a Bolsonaro por Trump, como queriam.

Caô contra o crime organizado, por Malu Gaspar

O Globo

Na gíria das ruas cariocas já incorporada Brasil afora, caô significa mentira, papo furado, enrolação. Foi o que mais se viu durante a crise que sobreveio à operação da polícia do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha.

Talvez pouca gente lembre que há dois anos, em outubro de 2023, o Rio foi aterrorizado por criminosos que queimaram 35 ônibus e um vagão de trem durante a operação que visava a prender o miliciano Zinho.

Na ocasião, Cláudio Castro (PL) se vangloriou de ter feito um “duro ataque” às milícias e disse que seu governo não descansaria enquanto não prendesse Zinho e dois outros bandidos perigosos, o também miliciano Tandera e o traficante Abelha. Zinho se entregou dois meses depois — à Polícia Federal (PF). Nunca mais se soube dos outros.

Coragem x revisionismo no STM, por Julia Duailibi

O Globo

Áudios das sessões do tribunal funcionam como excelente vacina contra o negacionismo histórico

No final de outubro, numa sessão do Superior Tribunal Militar (STM), o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, tenente-brigadeiro do ar, achou por bem passar uma descompostura pública na presidente da Corte, Maria Elizabeth Rocha, sem a presença dela e na frente dos seus pares, a maioria homens. Amaral estava incomodado com um discurso feito pela ministra dias antes, em que ela se desculpou por “equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário”. Amaral sugeriu à ministra, doutora em Direito Constitucional e a primeira mulher a integrar e presidir a Corte mais antiga do país, de 1808, “estudar um pouco mais a história do tribunal”.

No dia 25 de outubro, a presidente do STM havia feito um discurso, em São Paulo, num evento inter-religioso em memória aos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog. “Na qualidade de presidente da Justiça Militar da União”, pediu perdão “a todos os que tombaram e sofreram lutando pela liberdade”. Foi uma manifestação curta e corajosa, feita por uma representante do Estado brasileiro e em consonância com o Estado brasileiro, que, em diferentes momentos desde 1978, reconheceu o assassinato de Herzog por agentes públicos.

Juros mantidos e dúvida das contas, por Míriam Leitão

O Globo

O BC manteve a Selic, apesar da queda da inflação. No governo, os números mostram a queda do déficit primário em relação às antigas administrações

Banco Central manteve os juros na estratosférica taxa de 15% e alertou que o cenário atual exige “cautela na condução da política monetária”. O Copom tem razão porque a estimativa de inflação está acima do teto da meta e a projeção é de que o índice ficará acima do centro da meta até 2028. O ministro Fernando Haddad disse que votaria para o corte dos juros e também tem razão porque a inflação e as projeções de mercado estão caindo. Há bancos grandes prevendo que o índice ficará dentro do intervalo de flutuação este ano, contudo, o mandato do BC é levar o IPCA para o centro, ou seja, 3%. Essa diferença de opinião entre Haddad e o Banco Central tem a vantagem de mostrar a independência da instituição e elevar a confiança do mercado na política monetária.

As lições da derrota, em casa, do inimigo da COP30, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Presidente americano intensifica pressão contra a cúpula do clima; para enfrentá-lo, a política ambiental terá que aprender, com Mamdani, a ouvir as pessoas antes de tentar convencê-las

Donald Trump não será o único ausente da COP30, que terá sua largada nesta quinta com a cúpula dos líderes em Belém, mas caminha para ser aquele do qual mais se falará pelas costas. Não exatamente pelo anfitrião, que acabou de conseguir seu celular, mas pelos demais. Além de não enviar representantes, o governo americano estaria a pressionar delegados de outros países a também abandonar o acordo de Paris, que fixou as metas de mitigação do aquecimento global.

Nesta quarta, a economista francesa Laurence Tubiana, enviada especial da União Europeia para a COP30 e mentora do acordo de Paris, confirmou a Victoria Netto, do Valor, a postura agressiva do governo americano sobre negociadores para que abandonem a ideia do financiamento climático.

Desafio maior para o agro brasileiro na Ásia, por Assis Moreira

Valor Econômico

Brasília não tem como influenciar a agenda de Washington, mas o Brasil pode se tornar mais difícil de ser substituído mantendo-se como um fornecedor mais barato e mais ecológico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou de recente viagem à Indonésia, Malásia e participação na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) apontando potencial de mais negócios do agro brasileiro nessa que é a região mais dinâmica da economia mundial. Isso pode acontecer, mas em menor escala do que esperado. O presidente americano, Donald Trump, esteve ao mesmo tempo na região e, usando o arsenal das tarifas, arrancou concessões imediatas de países asiáticos para comparem mais produtos americanos.

O comércio hoje não se decide apenas por fatores como custo e frete, e mais e mais por motivações políticas. Isso é ilustrado também na trégua acertada entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping.

Após meses de compras paralisadas, a China aceitou compromissos de importação de 12 milhões de toneladas de soja dos Estados Unidos até o fim deste ano, e de pelo menos 25 milhões de toneladas anuais até 2028. Historicamente, a China comprou entre 25 milhões e 30 milhões de toneladas de soja americana por ano nos últimos anos. Os americanos veem agora uma “base sólida” para o retorno a esses volumes.

BC não pode atuar a reboque do mercado, por Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

Há uma concorrência surda e desleal entre o setor produtivo e o sistema financeiro, principal parceiro do déficit do setor público

A decisão do Comitê de Política Monetária, colegiado do Banco Central, de manter a economia em estado de contração tem suscitado queixas por parte de grandes e pequenos empresários em posição diametralmente oposta à do chamado “mercado financeiro”. São realidades diferentes, enquanto a primeira é obrigada a incorrer em custos maiores quanto mais alta for a taxa de juros, bancos e fundos de investimento são favorecidos pela enxurrada de recursos em seus portfolios, atraída pelo rendimento dos juros elevados.

Há uma concorrência surda e, via de regra, desleal entre o setor produtivo do país e o sistema financeiro, principal parceiro do déficit do setor público. O maior endividamento do governo amplia a necessidade de atrair dinheiro para financiar os gastos públicos. Com isso, a Selic - taxa pela qual transitam os títulos públicos nas operações de compra e venda entre os bancos e o Banco Central na regulação da liquidez do sistema - tornou-se o principal referencial do custo de oportunidade da alocação do dinheiro na economia brasileira.

Potência econômica e país desenvolvido, por Marcello Averbug

Correio Braziliense

Ao longo dos últimos anos ampliou-se a ambição de atingir o status de potência econômica em detrimento do anseio pelo desenvolvimento integrado

Após a Segunda Guerra Mundial, mudou a maneira de interpretar os antes chamados países economicamente atrasados. Até 1945, predominava a ideia de que alguns deles iriam progredir espontaneamente graças ao adequado aproveitamento, via mercado, de suas vocações naturais e vantagens comparativas.

Ao final da guerra, ganhou força a convicção de que a fuga da condição de atrasado ou pobre, sob o regime capitalista, exigia algo mais incisivo: a execução de intensas políticas governamentais. Esse seria o caminho que conduziria ao progresso e a profundas melhorias nos indicadores sociais. O processo que atendesse a tais requisitos foi denominado como desenvolvimento integrado.

Nova York, da diáspora judaica à eleição de um prefeito muçulmano, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Mamdani representa uma síntese do mundo globalizado — africano, asiático, muçulmano e nova-iorquino —, em meio à polarização alimentada por Trump

Mais do que qualquer outra metrópole ocidental, Nova York é a mais cosmopolita cidade do mundo, graças a sucessivas ondas migratórias que, a cada geração, redefiniram seu perfil econômico, social e cultural. Essa vocação cosmopolita remonta ao episódio quase lendário de 1654, quando 23 judeus — expulsos do Recife após a derrota holandesa para os portugueses — desembarcaram na então colônia de Nova Amsterdã, que deu origem à cidade.

Vindos de Pernambuco a bordo do navio Valk, depois de escaparem de piratas, de prisões e da Inquisição, encontraram abrigo precário na cidade governada pelo calvinista Peter Stuyvesant. Mesmo assim, fundaram a primeira comunidade judaica estável das Américas, gênese do pluralismo que seria o germe da identidade nova-iorquina moderna: a convivência tensa, mas fértil, de culturas, crenças e etnias em permanente metamorfose.

Em Nova York, é a cidade, estúpido! Por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

É risível a estridência de republicanos e centristas com a vitória de Mamdani

Eleito concentrou campanha nos problemas reais da cidade, não em moinhos de vento

"It is the economy, stupid!" Tornou-se um jargão político lembrar o papel da economia nas eleições. A expressão "é a economia, estúpido" —atribuída à campanha de Bill Clinton que derrotou o republicano George W. Bush em 1992— força estrategistas a lembrarem que eleitores se preocupam, e muito, com as condições materiais de suas vidas: se seus filhos têm acesso à educação de qualidade, se a comida está cara, se os aluguéis não são exorbitantes, se os mais ricos pagam a parte que devem em impostos e assim por diante.

Chega a ser risível a estridência de republicanos e centristas diante da vitória do imigrante muçulmano e socialista democrático Zohran Mamdani —chamado por Trump de "lunático comunista completo". É uma mentira. Mamdani não vai estatizar os meios de produção numa das cidades mais ricas do mundo, nem nunca chegou perto de propor isso.

Voto distrital misto é uma luz nas trevas, por Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S. Paulo

Novo formato frearia a proliferação de partidos e ajudaria eleitor a escolher melhor seu deputado

No sistema atual, legenda do presidente eleito não forma bancada suficiente para apoiá-lo

O sistema eleitoral brasileiro de voto proporcional com listas abertas parece muito democrático, mas é uma aberração política. Se o Brasil fosse um país pequeno e relativamente homogêneo, como Dinamarca e Noruega, esse formato poderia ser uma boa solução, mas não diante das nossas características exatamente opostas.

Por isso, ao ler nesta Folha (1º/11) que o presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), e o relator Domingos Neto (PSD-CE) estão prestes a acelerar a tramitação do projeto de lei que estabelece o voto distrital misto, fiquei surpreso e animado. É uma luz nas trevas. A ideia é que o projeto possa ser aprovado pelas duas Casas do Congresso para valer nas eleições gerais de 2030.

Eu defendo o voto distrital misto desde 1961, quando soube que o novo sistema eleitoral da Alemanha era dessa natureza. No sistema alemão, o eleitor deposita dois votos: um para seu candidato no distrito e o outro para o partido político que apoia —que, como os demais, tem uma lista fechada de candidatos a serem possivelmente eleitos pelo voto proporcional, ordenados conforme decisão da legenda. Assim, apurados os votos, os primeiros das listas serão eleitos, observando-se o número de votos que a sigla obteve.

Até quando vai o arrocho do BC, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Projeção de inflação do BC para o segundo trimestre de 2027 cai para 3,3%, mas não basta

Selic fica em 15%, BC espera mercado de trabalho mais frio e expectativa de IPCA menor

A estimativa de inflação do Banco Central para o segundo trimestre de 2027 caiu de 3,4% para 3,3% (em 12 meses, em um ano), lê-se no comunicado em que a autoridade monetária anunciou Selic ainda em 15% ao ano.

A meta de inflação é de 3%. Parece que se está perto da meta, nas contas do BC, pois. Mas o BC, ao que parece, quer ver contenção maior em emprego e salário e expectativa de inflação menor. Corte da Selic, por ora, só a partir de março de 2026.

Parêntese: por que interessa o segundo trimestre de 2027? É o "horizonte relevante" para o BC, aquele momento em que a política monetária, de juros, deveria estar fazendo mais efeito.

Queda dos juros para o ano eleitoral, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Manutenção desagrada governo e deverá ter consequências na escolha de Lula para os dois novos diretores

Presidente do BC parece querer fazer todo o trabalho de ancoragem das expectativas de inflação enquanto a pressão política ainda está suportável

manutenção da taxa Selic no patamar de 15% pela terceira vez consecutiva eleva as cobranças sobre o presidente do Banco CentralGabriel Galípolo, que passou a enfrentar uma artilharia mais pesada de críticas de integrantes do governo contra a política de juros altos.

No comunicado da decisão desta quarta (5), Galípolo e os demais diretores foram duros ao insistir na avaliação de que será preciso manter a taxa no nível atual por um período "bastante" prolongado. O bastante, nesse caso, tem peso e pode, inclusive, empurrar o início da queda dos juros de janeiro para março de 2026.

Chacina é a única saída para questão da segurança? Por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

No mesmo mês, duas concepções opostas de como lidar com o crime organizado

Ações precisam ser multidimensionais, como são as atividades das máfias

sangrenta operação policial promovida na semana passada pelo governador Cláudio Castro foi a sua quarta desde 2021, quando ele passou a comandar o estado do Rio de Janeiro. Denominada Contenção, teve o mesmo intuito e seguiu o mesmo roteiro das anteriores, delas diferindo apenas na multiplicação dos cadáveres que deixou expostos.

Em todas elas, armamentos e munições foram apreendidos, prisões feitas —e muita gente morreu: 28 pessoas na Favela do Jacarezinho, em maio de 2021; entre 23 e 25 na Vila Cruzeiro, no mesmo mês do ano seguinte; 19 em julho de 2022, no Complexo do Alemão. Não há o mais remoto indício de que essas mortes tenham servido para diminuir o controle do crime organizado sobre aqueles territórios. Esse será o provável resultado da operação que, agora, custou a vida de mais de uma centena de pessoas, no Complexo do Alemão.

Troca de favores, por William Waack

O Estado de S. Paulo

Lula ganhou nos erros dos adversários, mas adotou agora tática arriscada

Lula decidiu desafiar uma convenção do marketing político segundo a qual, se a onda é forte, o melhor é passar por baixo dela. E passou a criminalizar a atuação da polícia na megaoperação no Rio, que desfruta hoje de um apoio na população tão inédito quanto o número de mortos registrado no confronto com uma organização criminosa preparada para combater.

Considerando que segurança pública é a preocupação n.º 1 do eleitor, o tipo de assunto no qual governos petistas apanham fácil, peitar a onda em favor da megaoperação é postura de alto risco. O que levaria um político experiente a optar por um cálculo que só promete desvantagens?

STF entra de cabeça em nova polêmica, por Carolina Brígido

O Estado de S. Paulo

Nem todo ministro compartilha o mesmo conceito de institucionalidade de Edson Fachin

Há pouco mais de um mês no comando do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin já viu fracassar seu plano de manter a Corte longe da rinha política. Ele preferia que o tribunal se manifestasse sobre a megaoperação no Rio de Janeiro em decisões judiciais, mas outros ministros optaram por declarações públicas. Alexandre de Moraes foi além: viajou até a capital fluminense para se reunir com autoridades locais.

A intenção de Fachin era dar uma contribuição institucional para solucionar a crise no Rio. Entretanto, nem todo ministro do STF compartilha o mesmo conceito de institucionalidade. O governador Cláudio Castro chamou de “maldita” a decisão do tribunal que criou regras para a realização de operações policiais na cidade. Diante do silêncio de Fachin, Gilmar Mendes e Flávio Dino saíram em defesa do tribunal.

O novo teste para Lula e para a direita, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A violência não se explica por variáveis macroeconômicas. Ela invade o cotidiano e redefine prioridades

Como quase tudo na vida, os equilíbrios alcançados na política, mesmo quando ótimos, não são estáticos nem perenes. A durabilidade de um equilíbrio político depende da capacidade das instituições e dos líderes de oferecer respostas congruentes com as expectativas da maioria da sociedade diante de choques e imprevistos.

Choques podem ter naturezas variadas. Às vezes são endógenos, nascem do próprio sistema político – como o surgimento de um novo líder carismático. Outras vezes são exógenos, resultado de eventos externos, como uma crise econômica internacional ou uma pandemia.

Se o tarifaço imposto pelos EUA foi um presente para Lula – que antes estava nas cordas e voltou à condição de favorito à reeleição em 2026 –, a dificuldade de oferecer uma resposta consistente às expectativas da sociedade diante da crise da segurança pública e da violência do crime organizado tem o potencial de fragilizá-lo.

Ninguém quer cortar gastos no Brasil, por Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Ou bem avançamos com uma reforma fiscal e orçamentária, para valer, ou o País caminhará a passos largos para o vinagre

O mais recente episódio da saga para dilapidar as contas públicas ocorreu nesta semana, no Congresso Nacional. Aprovou-se medida para blindar uma parte dos gastos da Defesa Nacional, afastando-se as chamadas regras fiscais.

Em paralelo, há um cardápio de propostas a serem aprovadas, com urgência, sem as quais o governo terá de mudar a meta fiscal de 2026. Não se verifica nem um fiapo do vigor presente na defesa dessa nova contabilidade criativa nos gastos com Defesa quando se trata de apoiar a agenda do ajuste.

Para ter claro, a blindagem dos R$ 33 bilhões de gastos com programas e ações orçamentários na área de Defesa Nacional é um escárnio. Fere a lógica básica do novo arcabouço fiscal ( Le i Complementar n . º 200/2023) e comprova que, na hora do vamos ver, ninguém está disposto a cortar gastos.

Boa notícia sobre voto distrital, por Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Há ainda muito chão pela frente. Cabe também uma melhoria do sistema atual

Matéria na Folha de S. Paulo no dia 1.º deste mês v e i o com este título: Relator diz que voto distrital afasta facções e tem sinal positivo dos maiores partidos. O relator do projeto é o deputado Domingos Neto (PSD-CE), que disse também que a “urgência do projeto pode ser aprovada em novembro”, o que facilitaria o trâmite. O presidente da Câmara, Hugo Motta, defendeu a mudança do sistema eleitoral para 2030, o que já demonstra que não será tão simples. E o sistema distrital seria misto, acomodando em parte o sistema atual.

Poesia | Aos que virão depois de nós, Bertolt Brecht

 

Música | Milton Nascimento, Lo Borges - Nada será como antes

 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decretar GLO em Belém é medida correta

Por O Globo

Operações com militares já obtiveram sucesso em eventos internacionais — e crime organizado na região preocupa

Foi acertada a decisão do governo federal de decretar operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para a segurança da Cúpula de Líderes e da Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), que acontecerão nos próximos dias em Belém, com a presença de autoridades nacionais e internacionais. O decreto atende a pedido do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e abrange, além da capital, os municípios paraenses de Altamira e Tucuruí, permitindo o uso das Forças Armadas no patrulhamento. Não se pode arriscar diante de um megaevento, especialmente num momento em que o país vive crise aguda na segurança pública.

A agenda climática, o mapa e o dinheiro, por Vera Magalhães

O Globo

Brasil tem a chance de ocupar vácuo deixado pelos EUA e por outras grandes potências que recuam da agenda climática

A ministra Marina Silva tem usado com frequência a expressão “mapa do caminho” para designar o que deveria ser o eixo da COP30: implementar todos os acordos já traçados em conferências anteriores do clima para frear o aquecimento global e evitar as consequências para o planeta.

Trata-se de um diagnóstico como sempre correto, mas que esbarra em dois problemas. Primeiro, não falta um mapa para saber o que precisa ser feito, mas sim dinheiro para fazer. Segundo, no caminho, também do Brasil, há vários obstáculos que não se superam apenas com mapa, mas com vontade política firme e inequívoca.

O plano proposto por Marina, que deverá fazer parte da colaboração do Brasil durante a COP30 em Belém, prevê um cronograma para a redução e, em longo prazo, o fim do uso de combustíveis fósseis, com a definição de setores prioritários que deveriam acabar com a dependência de petróleo, gás e carvão.

Talibã na Penha, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Proposta da direita abre caminho a sanções econômicas e intervenções militares no Brasil

A direita descobriu uma fórmula mágica para acabar com o tráfico: rotular as facções criminosas como organizações terroristas.

A proposta já passou pela Comissão de Segurança da Câmara, dominada pela bancada da bala. Agora pode ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, com apoio de governadores bolsonaristas.

A ideia parte de uma premissa verdadeira para chegar a uma conclusão falsa. A verdadeira: os bandidos são violentos, oprimem as comunidades e precisam ser combatidos. A falsa: isso exigiria equipará-los a terroristas.

O que é terrorismo? Por Renato Galeno

O Globo

A História nos mostra que agir por medo e manipular informação com objetivos eleitorais não funciona

A recente operação policial no Rio de Janeiro, que provocou a morte de 121 pessoas e medo em toda a cidade, trouxe à tona um tema: o terrorismo. Fala-se em mudar a legislação, políticos ganham seguidores nas redes sociais — há muitos gritos e pouca conversa. Mas… o que é terrorismo?

Terrorismo é um fenômeno recente. Como só se teme o que se conhece ou se imagina, o ponto central desse tipo de ação — causar medo em uma ampla população, um temor que vá além dos diretamente atingidos — depende dos meios de comunicação modernos. A primeira iniciativa para criar uma lei internacional é de 1937, no âmbito da Sociedade das Nações. Foi também o primeiro de muitos fracassos nas tentativas de formalizar uma definição universalmente aceita de terrorismo.

Retomada territorial é próximo passo contra o crime, por Fernando Exman

Valor Econômico

População sofre com a expansão da violência em áreas abandonadas pelo Estado

Em formação, os policiais avançaram pelas ruas dos complexos do Alemão e da Penha na terça-feira (28), no Rio, seguindo à risca o plano que resultaria na morte de 121 pessoas. O tiroteio era intenso. Ao ouvir os relatos da operação, muitos podem ter se surpreendido com a informação de que as forças de segurança era monitoradas por drones e um sofisticado sistema de câmeras instalado pelo narcotráfico. Ficou no passado a cena de jovens alertando os comparsas com rojões, enquanto empreendiam fuga comunidade adentro. Mas uma coisa não mudou: passada a operação e recolhidos os corpos, a polícia bateu em retirada. A população mais uma vez foi abandonada pelo Estado.

Os governos federal, estaduais e municipais precisam, com urgência, aprofundar as discussões sobre a retomada dos territórios dominados pelo crime.

É verdade que dois importantes passos foram dados pelo governo Lula recentemente. Mas, ressalte-se, ambos tardios.

Governo mira nos CEOs do crime organizado, por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Medidas de regulação e fiscalização da esfera federal têm mirado como nunca o suprimento de dinheiro para as facções

O combate ao crime organizado virou cenário de batalha entre governo e oposição no Congresso Nacional, com dois projetos de lei disputando prioridade na Câmara dos Deputados e a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. Numa via paralela, medidas de regulação e fiscalização da esfera federal têm mirado como nunca o suprimento de dinheiro para as facções.

As fintechs, algumas das quais foram flagradas na operação Carbono Oculto lavando dinheiro do crime, são alvo de pelo menos três iniciativas. Na última segunda-feira, o Banco Central subiu a régua dos requerimentos de capital mínimo para essas instituições. Também determinou o fim das contas-bolsão, que foram usadas por algumas delas para ocultar a origem do dinheiro sujo.

Dois delegados comandarão a CPI das organizações criminosas do Senado, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Os senadores Contarato (PT-ES) e Vieira (MDB-SE) têm condições de conduzir os trabalhos com critérios técnicos para separar as facções da criminalidade comum

O governo teve uma importante vitória, nesta terça-feira, na instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado do Senado Federal: a eleição do senador Fabiano Contarato (PT-ES) para a presidência e de Alessandro Vieira (MDB-SE) à relatoria. Ambos são delegados de carreira, em condições de conferir à comissão um caráter técnico, político e simbólico que contrasta com o debate emocional e ideológico sobre uma das pautas mais sensíveis da agenda nacional, sob o impacto da mais letal operação policial da história do Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortos.

Por 6 votos a 5, Contarato derrotou o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), em votação secreta, contendo a ofensiva da oposição para transformar a agenda da segurança pública numa plataforma eleitoral de extrema-direita. O centro do debate, porém, permanece: a violência urbana, o papel das facções e a responsabilidade do Estado. A CPI será um espelho da própria crise do Estado brasileiro no combate ao crime organizado, dividido entre a necessidade de reafirmar sua autoridade e a exigência de legalidade e respeito aos direitos humanos.

Nossa barbárie, nossa torpeza, por Nicolau da Rocha Cavalcanti

O Estado de S. Paulo

O problema não é apenas ético, achando que os fins justificam os meios. É anterior, é limitação cognitiva

Sabemos produzir chacinas. Foram dois meses de planejamento, informaram as autoridades do Rio de Janeiro. Sabemos matar, com espetáculo, integrantes do crime organizado. Mas não sabemos identificar e interromper suas fontes de financiamento, seus canais de aliciamento, suas condições de manutenção e de expansão, suas expressões de poder sobre a população.

Contentamo-nos com pouco, com muito pouco. Mesmo que, por fantasiosa hipótese, todos os assassinatos da chacina da semana passada tenham sido de pessoas ligadas ao Comando Vermelho, a operação policial foi um sucesso? Será este o grande e difícil desafio para alcançar a paz: matar uma centena e meia de criminosos?

A ajuda da Câmara ao PCC e ao CV, por Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Ao classificar facção como terror, lei tira de Estados e Gaecos o combate ao crime e tumultua processos

Do jeito que está, o projeto que classifica as ações das facções criminosas como terrorismo, retira das polícias estaduais a competência do combate ao crime organizado e afasta de investigações os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), dos Ministérios Públicos estaduais, um dos mais efetivos instrumentos de enfrentamento a esses bandidos.

Ora, nos Gaecos há promotores especializados, como Lincoln Gakiya, que por anos denunciaram acusados e conhecem as provas e as investigações em curso, como a Carbono Oculto. Os casos terão de migrar da Justiça Estadual para a Federal, o que pode provocar atrasos em inquéritos e processos e levar à soltura de presos. E ao questionamento de prisões decretadas.

Os juros por um advérbio, Por Fábio Alves

O Estado de S. Paulo

A dúvida é se o Copom vai tirar a palavra ‘bastante’ que vem com o adjetivo ‘prolongado’ do comunicado

O desfecho da reunião do Copom hoje não será surpresa alguma para ninguém: manutenção da taxa Selic em 15%. Isso já foi amplamente telegrafado pelo Banco Central. Mas a grande expectativa de analistas e investidores está concentrada num simples sintagma nominal do comunicado a ser divulgado com a decisão: se o Copom irá deixar ou retirar do texto o advérbio “bastante” que acompanha o adjetivo “prolongado” da sua sinalização sobre os próximos passos da política monetária.

Crítica de Haddad ao Banco Central não ajuda nem o governo, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ministro da Fazenda agora prega corte de juros como qualquer político do governo

Selic não cai tão cedo e, se caísse agora, causaria tumulto ruim também para Lula 3

No Banco Central, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), daria um talho da Selic, pois taxa real de juros de 10% ao ano "não se sustenta", afirmou nesta terça. Não se sustenta, é verdade. Dá em aumento ainda mais descontrolado da dívida pública, crescimento menor da economia, aumento ou estagnação da desigualdade de renda etc. É óbvio.

Supõe-se então que o ministro acredite no seguinte: se a direção do BC diminuir a taxa Selic nesta quarta, não haverá efeito colateral, prejuízo para a atividade econômica. Ou, então, tais efeitos seriam menores do que os custos de manter a Selic no nível em que está.

Mesmo que alguém pudesse acreditar nesse balanço positivo de perdas e ganhos, o problema nem é esse. Dados o nível de inflação, a inflação esperada para 2027 (3,8%, meta de 3%) e o descrédito dos credores no controle do tamanho da dívida e na moeda brasileira, BC não vai cortar a Selic. Nem mudar a meta de inflação, "na prática" —não agora.

Crime não nasce no colo materno, por Mariliz Pereira Jorge

Folha de S. Paulo

Onde faltam creches, renda e política pública, sobram milícia, tráfico e morte precoce

Quando o Estado falha no começo (planejamento, escola, saúde, proteção), 'compensa' no fim com fuzil

Um recorte da operação no Rio escancara o retrato de família à brasileira. Um terço dos mortos não tinha o nome do pai no registro. Não é detalhe burocrático, é herança social, mas reforça a tese conveniente e falaciosa de que "faltou homem em casa". Mulheres criam filhos sem a figura masculina todos os dias e não os perdem para a marginalidade. Este é, infelizmente, o resultado da falta de Estado, políticas públicas e responsabilidade paterna.

Não esperem muita coisa da CPI do crime organizado, por Thaísa Oliveira

Folha de S. Paulo

No fundo, até os membros da comissão talvez reconheçam que ela não precisava existir

Governo Lula sabe que banco de réus pelo atual estado da segurança pública é extenso

Por incrível que pareça, o governo Lula (PT) diz estar tranquilo com a recém-criada CPI do crime organizado. Por um voto, conseguiu emplacar o presidente, Fabiano Contarato (PT-ES). Também tem alguma confiança no relator, Alessandro Vieira (MDB-SE). Mas esse não é o motivo principal.

Um governista me pergunta quem estará no "banco dos réus" da CPI. Lula? O PT? Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública? Governadores? Cláudio Castro, do Rio? Ou convocarão Fernandinho Beira-Mar, líder do Comando Vermelho cujo paradeiro é conhecido (um presídio federal)?

A hipocrisia de Tarcísio e governadores de direita com o Consórcio da Paz, por Uirá Machado

Folha de S. Paulo

Líder paulista disse que é preciso virar o jogo contra o crime e que o Rio "deu uma grande demonstração"

Diante de tanta ambiguidade, grupo deve definir, afinal, que apito toca

Os governadores de direita, com o perdão do trocadilho, nem ficaram vermelhos. Dois dias após a operação que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro, eles lançaram o Consórcio da Paz.

O nome remete de imediato ao livro "1984", de George Orwell. No romance, um governo autoritário manipula a linguagem com o objetivo de controlar o pensamento. O órgão encarregado de promover a guerra, por exemplo, chama-se... Ministério da Paz.

Na distopia orwelliana, fala-se a novilíngua, idioma caracterizado pela distorção do vocabulário e a condensação de duas palavras em uma só —mesmo que tenham sentidos contraditórios entre si.

Da proteção das minorias à censura legal: o caminho da intolerância, por Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Avançamos a passos largos para transformar em crime a opinião que reprovamos

Já não se pede que se tolere a opinião minoritária, mas que se puna a opinião oposta

Sou de uma geração em que a esquerda e os progressistas gabavam-se de que, apesar de serem uma força subalterna ante a hegemonia da direita e dos conservadores, ao menos eram muito mais esclarecidos, mais tolerantes e muito menos autoritários do que sua contraparte.

Hoje entendo que o apelo à tolerância a estilos de vida e valores e o apego à autonomia individual e às liberdades (inclusive de expressão), bem como a defesa intransigente da legitimidade do dissenso, eram pura questão de sobrevivência. Quando se é minoria política diante de uma hegemonia hostil, valores liberais e princípios democráticos tornam-se a principal linha de defesa.

O jogo, contudo, mudou —e, com ele, o apreço dos progressistas por esses mesmos princípios. Já não se sabe, entre progressistas e conservadores, quem mais se dedica a proibir, vetar, censurar, intimidar e mandar calar —ou a reduzir, com mais afinco, os limites do que ainda deve ser tolerado.